quinta-feira, 26 de março de 2009

3 Memórias

Hoje acordei me sentindo muito bem; levei uma toalha e comida para fora e tomei o café da manhã no jardim, para aproveitar a beleza do dia, o glorioso nascer do sol, o começo de mais um magnífico episódio de minha vida. Enquanto a névoa da manhã se dissipava com o calor relaxante do Astro Rei eu preguiçosamente comia meus quitutes, pensando em coisas banais. Foi aí que eu ouvi um ruído bem peculiar que me chamou a atenção; o som de alguém tentando controlar o choro. Virei-me, e qual não foi minha surpresa quando me deparei com um dinossauro!
Não sou especialista em paleontologia, mas um lagarto maior que minha casa não pode ser classificado de outra maneira em minha mente. E lá estava ele, não um dinossauro pacato herbívoro, mas um daqueles predadores cheios de presas pontiagudas e o olhar afiado de um caçador... Mas seu olhar era apenas uma sombra, pois seus olhos estavam marejados de lágrimas.
O medo que eu deveria sentir de tal criatura nem se instalou em mim, pois fui tomado de curiosidade e pena assim que percebi seu estado. Com educação, perguntei se ele não queria se juntar á mim para comer um pouco, também na esperança de conversar com ele e oferecer minha ajuda, se ajuda-lo fosse possível.
A comida ele recusou, e de minha proposta de ajuda ele fez pouco caso. Perguntei para ele por que ele chorava, e ele disse que estava sozinho, pois sua raça, suas glórias e suas dinastias, extintas há milhões de anos, não passam de memórias na mente do planeta, compostas apenas de pegadas e fósseis. Disse á ele para se acalmar, que tudo passa, pois essa é a natureza da Natureza, então ele me respondeu que, no caso dele, era diferente. O consolo que eu oferecia á ele não bastava, pois em sua época ele tinha sido um bravo guerreiro, rei de muitos países e conquistador de mais alguns; mas agora tudo sobre ele tinha se reduzido á histórias sobre uma criatura enorme e estúpida, de temperamento bélico, fadada á autodestruição. Perguntei o que ele fazia na minha casa e ele respondeu que estava apenas de passagem, que seu destino era seguir viagem para onde ele fosse uma necessidade. Pois com ele carregava consigo um disfarce que fazia outros humanos acharem que ele era humano também, e, com isso, sobrevivia no planeta entre a humanidade, tentando se encaixar entre os Homo Sapiens.
Caí num dilema. Como consolar um lagarto rei? Será que eu deveria? Pois talvez ele estivesse certo e seu sacrifício moral tenha sido em vão. Então, como eu deveria agir?
Com um movimento brusco, peguei uma faca e enfiei com força em seu pé. O lagarto urrou de dor e surpresa, olhou para mim com ódio e estava prestes á me atacar quando disse que fiz aquilo para o bem dele. Ele me perguntou por quê.
Porque ainda se lembram, expliquei. Existem pessoas no mundo ainda dispostas á lembrarem-se dele de maneira carinhosa, como um rei merecido, simplesmente por causa de seu valor inato; não do que ele foi, mas do que ele ainda é capaz de ser. Expliquei que o passado é uma janela fechada, que mesmo que você veja através dela, não dá para alterá-lo, e o futuro é imprevisível, a porta de um quarto trancado onde ele pode ainda encontrar maravilhas que nunca sonhou com. E eu estaria disposto á lembrar dele. E a dor da facada passaria, mas a cicatriz continuaria lá, e isso ele não poderia ignorar, e faria ele se lembrar de mim, e das memórias que eu guardarei para ele.
Ele me ouviu com paciência enquanto o sangue escorria de sua ferida. Talvez tenha sorrido; difícil dizer, no caso de um lagarto. Talvez eu o tenha ajudado, talvez não. Mas ele prometeu que seguiria viagem e depois voltaria.
Enquanto ele ia embora e eu recolhia as coisas do café, percebi que o sol tinha apenas feito uma aparição na manhã; nuvens negras encobriam o céu, e, na direção para onde o dinossauro ia, já estava trovejando ao longe. Ciente de que ele ia encontrar muitas dificuldades em seu caminho, cruzei os dedos por ele enquanto lhe desejava boa viagem e feliz regresso.
Não conheci muito do dinossauro. Acho que ele não pode ser muito conhecido por quem não é dinossauro. Mas sei que ele deixou saudades. Espero que ele não demore á voltar.

Um comentário:

Walker Lizard disse...

Belíssimo!

Guardarei com carinho suas palavras caro amigo.